Causos guardados na lembrança
Uns casos guardados na lembrança.
Não sei se vocês sabem que quando era criança, eu ia somente aos domingos à Fazenda (Retiro Sagrado Coração de Jesus), pois não sei por cargas d’água eu tinha um problema de não querer comer na casa dos outros, e sempre arranjava um jeito de escapulir de alguém que me chamasse para almoçar. Tinha sempre uma boa desculpa ou resposta para dar, e não havia Santo que fizesse eu comer alguma coisa.
Minha mãe Yolanda, juntamente com vovó Donana, Tia Haydezinha e outras, sempre tentavam me demover da idéia de ficar sem alimentação, mas de nada resolvia.
Vó Donana falava que foi ela que cozinhou, que tudo fora muito bem lavado, e que todas as coisas que se serviam na Fazenda eram produzidas lá. Ficavam horas tentando me convencer e sempre eu arranjava um jeito de escapulir, e sair para brincar, ficando às vezes o dia inteiro sem comer.
Não sei por que, mas bolo, pão de sal, biscoito e outras guloseimas eu sempre aceitava, porém outras coisas eu nem olhava. Desde pequeno, não sei se por presenciar a matança de frangos e galinhas, pisando e sangrando seu pescoço, colocando o sangue que pulava em um prato, para guardar. Depois que eu presenciei a cena, nunca mais comia em qualquer prato e também tinha um nojo danado de tudo.
Sabe como são as crianças, coisas da vida e não sei nem porque, mas os deliciosos chouriços que meu pai Edenlar trazia do bar do Nelson, vizinho de nossa casa, eram sempre traçados com o melhor prazer. Banana, manga, abacaxi, goiaba, ameixa, qualquer outra fruta por mais diferente eu não perdoava. Comia quantas aquentasse. Araticum, ananás, fruta pão, abacate, e etc.
Não sei se vocês sabem do caso do leite de vaca, pois este eu não tomava nunca. Como poderia eu, vendo todos os outros primos tirando o leite das vacas, e alguns até deitando e mamando na própria vaca. Olhava para o vaqueiro com cara de tremendo nojo, e ainda mais quando ele limpava as tetas com o rabo da vaca. Que sujeira , eco eco ..... Rabo este que ficava ali, logo na posição que a mesma soltava as fezes. Menino bobo tem destas mesmo. Leite só o condensado, e era o Leite Moça, que eu jurava por tudo que era sagrado que era feito no laticínio, e que não tinha nada de vaca. Ehhhh
Quando íamos à praia, a antiga cidade de Cabo Frio, era uma luta medonha, pois eu só comia pão de sal com leite Condensado, e não tinha cristão que me fazia come r camarões, lagostas, e outras coisas mais. Todos sabem como meu pai era bravo, e não aceitava as frescuras de seus filhos, que os tratava com carinho, porém com uma rigidez grande. E os beliscões corriam a solta, para todos os lados, mas não tinha jeito. Por nada eu comia. Meu tio Waldemar tentava me enrolar e de nada conseguia.
Mamãe viajou uma certa época, e a Tia Carmelita foi lá para a nossa casa para ajudar a cuidar das crianças. (Lucas, Maurílio, Flavio e Marcelo). Pela manhã, ela esquentava o leite, e passava o leite de uma vasilha para outra para fazer o leite ficar espumante. Disto eu gostava muito, mas era o leite que o carroceiro COLOLÔ, entregava na carrocinha, e para todos os efeitos aquela carroça de chapa galvanizada era a produtora do leite, e então eu tomava. Na Fazenda ou na casa dos outros só tomava se fosse do Cololô.
Churrasco podia, pois eu não via tirar o bife do boi, e assim passava batido. Lingüiça, coisa que só muito mais tarde fui saber que era feita com as tripas do porco, eu comia enquanto podia.
Um fato muito interessante aconteceu quando a Tia Divina chamou-nos para passar uns dias em sua Fazenda do Tijuco, e lá fomos nós, eu, papai, mamãe, Tia Divina e Tio Paulino, pelas estradas ruins e esburacadas, muita chuva, poças de água, passagens por mata burros, córregos cheios e muita lama.
Pouco antes da hora do almoço chegamos à da Fazenda, e logo fomos descendo com as tralhas e os mantimentos trazidos de Belo Horizonte. As mulheres foram cuidar dos seus afazeres, e os homens foram ver como estavam às coisas no curral, e lá fui eu com eles.
Tudo muito bom, e sempre eu ficava com receio das vacas e bois irem em minha direção, mas mesmo assim gostava de ficar pendurado nas réguas da cerca do curral. Passava-se creolina nas bicheiras, apertavam-se os bernes para retirá-los, e quando algum espirrava, eu saia correndo, com nojo, e sem saber a razão daquilo. Marcar o gado com ferro quente, dava-me enjôo, eu sempre caia fora.
Na hora do almoço, a Tia Divina, com a sua calma e esperteza peculiar, tentava me fazer comer, mas não tinha jeito, eu sempre arranjava um jeito de não comer. Meu pai bravo, e mamãe tentando me convencer. Êta menino difícil. Mas não teve jeito.
À tardinha, na hora do café, a Tia Divina veio com uma leiteira cheia de leite e foi servindo a todos, juntamente com pão e bolo, que eram coisas que gostava muito.
Aqui vem a melhor parte da estória. Toma um copo meu filho, este leite é muito forte, e você quer crescer e ser grande. Veja o Zé Geraldo, aquele rapaz alto, magro e muito forte, que sobe nos cavalos e nos bois. Pode ficar tranqüilo, pois este leite é muito bom.
Fique tranqüilo, pois não é de vaca. Ele é de garrote e por isso é melhor. Com esta conversa toda eu provei, porém o leite estava com sal e eu sai cuspindo tudo.
Aqui vai mais um caso para relembrar os velhos tempos de criança e lembrar de nossos familiares, boas lembranças das Fazendas, dos passeios e da vida tranqüila que nós levávamos.
Flavio Edenlar Pereira da Silva – filho de Yolanda de Carvalho Silveira - publicado no Jornal do Silveirando em abril 2005
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